terça-feira, 19 de outubro de 2010

Bandeira Branca

Uma bala passou raspando por sua orelha, arrancando-lhe um filete de sangue. Rapidamente levou a mão ao local ferido, afrouxou o capacete e soltou um grito de dor, mas este foi abafado por uma granada que tinha explodido a alguns metros dali.
Tentou correr, mas a perna esquerda penosamente respondia aos comandos do cérebro, inchada e latejante, pintando uma mancha vermelha sob o uniforme verde. Gritou e novamente não foi ouvido, seu companheiro jazia morto e quase que sua esperança também. Mas, depois de tanto treinamento - pensou- não poderia simplesmente se tornar um desertor. Ou poderia?

Heitor nunca apoiou a guerra. Desde criança rezava todas as noites para que seu pai saísse vivo dela, e ao mesmo tempo amaldiçoava-o por ter ido. “não vou me deixar levar como ele”, prometia a si mesmo.
E agora, aqui está ele, agachado atrás de uma barreira de madeira sobre um monte de terra molhado de chuva, honra e sangue alheio. Não conseguia equilibrar-se direito, talvez pelo frio que fazia seus músculos tremerem, talvez pela incredulidade que os fazia retesarem. Não sabia. Só sabia que não agüentaria outra hora ali.

Eram cerca de 150 homens lutando naquela batalha, aproximadamente 75 de cada lado, a maioria, agora, mortos. Heitor caminhou por uma estreita passagem enlameada que contornava a base, abaixou-se sobre outro companheiro morto fez o sinal da cruz em sua testa suada, depois arrancou o cobertor branco que o cobria, levemente manchado de sangue e barro.
Reunindo toda sua bravura e coragem, Heitor levantou-se e com uma feição determinada, começou a caminhar até o monte de terra que separava seu espaço do espaço alheio e, sob os olhares abismados de seus companheiros de guerra, começou a subir esse morro.

Ao que parecia, Heitor estava certamente clamando por um tiro no peito, agindo estupidamente daquela forma, entregando seu corpo ao exército adversário.
Mas, à medida que ele subia aquele morro, os barulhos de disparos vindos do outro lado iam cessando.

Ele finalmente estava em pé lá em cima, e ninguém conseguia acreditar na imagem que seus olhos estavam captando. Havia um homem, perante todos, segurando uma bandeira branca em seus braços abertos, sorrindo e chorando simultaneamente. Deu meia volta e mostrou a bandeira branca para seus companheiros também, e esses aos poucos foram largando as armas e arrancando seus capacetes, todos chorando e também sorrindo.

Ouviram o barulho de palmas. Dezenas de “adversários” aplaudindo, todos extremamente aliviados, já sem ódio no coração.

“Larguem suas armas”, todos gritavam. E em poucos minutos, aquilo passou de guerra à revolução. De agonia à afetividade.

Aquele dia ficaria marcado para sempre, gravado em todos os livros de história.

3 comentários:

  1. Cada linha que leio desse texto, me remete a um "incrível realismo imaginário", faz a gente passar por vários sentimentos; desespero, agonia, pena, vitória e alívio.
    Parabéns Renata

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