quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

hidden king

Sentiu suas mãos formigando. Coçando. Sabia que o sangue que corria ali borbulhava, atrapalhava.
Mesmo assim, não era incômodo bastante para fazer-lhe abrir os olhos.
“continuarei aqui, deitado” ele suplicava. Mas as pernas já moviam. E a sensação extasiante de tédio e medo apoderou-se dele.
Estava se movimentando, ele sabia. Estava sentado agora.
Só não forte o bastante para abrir os olhos. Não, ainda não.
E esse cheiro? Inexplicável. Nada que tenha sentido antes. Onde estava afinal?
Ele não sabia.
Certo, abra os olhos agora.
Eu disse para abrir os olhos!
Rapidamente, levou as mãos ao rosto, apalpando freneticamente a pele suja. Seus dedos ásperos sentiram os olhos bem abertos. E o desespero, então, chegou.
Cego: Ele não podia pronunciar essa palavra. Sim, estava cego. Não haviam apagado a luz. Ele sabia que não.
Estava em pé agora. Aliviado, pelo menos as pernas ainda trabalhavam. Começou a correr até tropeçar em um tronco, e outro. E se deu conta que o que havia amparado sua cabeça durante a queda foi um monte fofo de folhas caídas. Cheiro de outono, agora pôde identificar.
Uma floresta, sim, era o que parecia! H. não podia enxergar, mas não foi difícil notar que estava cercado por árvores. Estava se acostumando com a idéia de estar ali, o medo foi suprido por uma alegria pequenininha que ia surgindo dentro dele. Até que ouviu alguém rindo mais alto.
Virou-se rapidamente, cauteloso para não cair de novo, mas topou com escuridão. O ar agora exalava presença humana. H. só não sabia quem era.
Ouviu passos. Toc toc. Um, dois. Ainda sentia o cheiro humano, mais para a esquerda agora. (O que lhe parecia o oeste). Vagarosamente, foi seguindo o cheiro e a presença, a cada passo ele gostava mais desse jogo. Até esboçava um sorriso tímido. Guiado pelo instinto, andou durante horas (é difícil ter noção de tempo quando não se pode enxergar a trajetória da luz do sol) até que colidiu com um muro de pedra.
Percebeu então estar acompanhado por muitas pessoas agora. Aquele muro de pedra cercava, com certeza, uma civilização. Foi andando e tateando, seguindo o burburinho cada vez mais alto, até podia distinguir vozes agora.
Latim, dezenas de pessoas falando latim. E de repente, H. sentiu aquela primeira presença que o guiou desde a floresta, uma bela voz sussurrou “bem-vindo ao seu reino, Horacio”.
Caindo da cama, o professor de história despertou.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Just Falling

Tão cansada de cair no seu jogo
Ela desliza, tropeçando na superfície cheia de calos e crateras.
E ela cai mais uma vez.
Sabes que o nome dessa força que te puxa pra baixo não é gravidade.
É amor.

domingo, 25 de outubro de 2009

kuolla

E quando eu ouço esse barulho suave e inconveniente de sinos batendo no meio da noite, me pergunto se é isso o que a pessoas ouvem minutos antes de serem carregadas pela morte.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Far

Eu preciso de uma praia. Uma praia vazia.
Após o sol se por, eu preciso pisar descalça na areia fria e sentir o vento bagunçar meu cabelo.
Eu preciso ouvir o barulho ritmado das ondas quebrando aos meus pés, preciso olhar a lua emergindo atrás da infinita imensidão azul.
Ah, como eu queria estar sentindo o cheiro de sal e a presença das gaivotas.
Um arrepio na espinha.
Volto a minha escrivaninha, pés dentro das meias dentro dos sapatos.
E eu só queria estar longe.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

dead angel

Arranhões nos braços lembram a última briga de escola.
Olheiras contornam os olhos que de noite não fecham.
Seu coração partido em dois não deixa dúvidas. O sangue que passa ali não carrega mais o seu nome.
O som dos passos abafados denuncia sua presença.
Ora ora, quem estava ali?
Respondeu com um sorriso vermelho, os dentes empapados de sangue. Um soco no estômago
.

domingo, 4 de outubro de 2009

Ah..

Ah, e se eu disser que já não vale a pena?
Eu não espero seu telefonema, nem mensagem ao acordar.
Ah, e se eu disser que guardo seu abraço?
Mas a saudade eu disfarço, tento controlar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Chuva

E de repente o barulho contínuo de pingos de chuva do lado de lá do vidro da janela.
ah, o barulho. Trovejante e presente, chegou na hora certa.
Eu estava te esperando, aqui, cá com meus botões.
Apenas diga que essas águas vão me levar embora.
Ele estava ali por mim. Eu estava lá para dizer adeus.

Mais um trovão, e eu podia sentir os pingos da chuva quicando em minhas costas. Eu estava ali, molhada, de frente pra ele e ambos esperávamos correspondência.
Por impulso, me joguei em seus braços e num apertado abraço, jurei nunca mais partir.
Jura inválida. Jura em vão.
Partir era uma certeza, e não havia escolha, eu tinha que ir.
Morar em outra cidade, abandonar a paisagem e me despedir. Isso era uma certeza, eu só tinha que convir.
Mas ali, em seus braços, não havia mais nada que eu pudesse fazer. Só me afogar em seu colo limpando minhas lágrimas no pano fino de sua camiseta.
Mudo, ele compreendeu. Mudo, ele permaneceu.
Ambos sabíamos que nenhuma palavra ou gesto poderia externar a melancolia daquele momento. Nenhum dialeto poderia prever aquela saudade.
Presa em seus braços eu me agarrei ao último fio inalcançável de esperança.
Parti dizendo adeus.