Ela me pediu para descansar em paz e disse que estava tudo acabado agora.
-Tudo acabado, como assim? Enquanto meu coração bater e bombear sangue para o meu corpo, nada está acabado! –Supliquei.
-Pois é, o problema é que ele, há um tempo, não bate mais. –Ela respondeu com um sorriso. -Vamos, pare de negar que tudo se foi. Apenas vista uma roupa confortável e me acompanhe. Está frio demais aqui fora, não me faça esperar.
-Frio demais? Deve estar de brincadeira! –Eu falava enquanto senti os braços dela envolverem-me como pedras de gelo. –Como é que você, gélida, pode sentir frio?
-Sinto coisas que vocês humanos nunca imaginaram que possa existir.
Então ela me carregou em seus braços até o meu apartamento, atravessou a porta sem precisar de chave e me largou estendida em minha cama. “Foi aqui que eu te encontrei” desabafou.
Troquei de roupa rapidamente, escolhi minha longa e confortável saia, um par de meias e minha blusa preta. Tudo preto.
Comecei a me despedir dos meus gatos, um por um, enquanto ela acariciava meu cabelo. Senti seu ar frio em contato com minha orelha. “Hora de partir” ela sussurrou. Respondi com um sorriso e deixei minha alma leve. Era tudo que me restava, agora. Minha alma.
Ela pegou-me em seu colo e eu me senti leve, muito leve. Só não entendi por que as lágrimas insistiam em rolar no meu rosto.
“Isso é normal” ela explicou ao me ver chorar “Todos que dão o mínimo de valor à vida ficam tristes na hora de partir”.
Viajamos juntas durante horas, me pareceu. Ao longo do caminho eu comecei a ouvir notas muito distantes e uma voz suave cantava uma canção. Era a última valsa, percebi.
Deslizei pelo corpo dela e parei à sua frente. Estávamos flutuando. Peguei uma de suas mãos e a estiquei junto com a minha, a outra pus em suas costas. Senti muito frio, mas isso não importava.
Dei o primeiro passo, e ela me acompanhou. Olhei em seus olhos e vi que ela queria dançar também. Começamos a girar magnificamente, descer e subir, dando os passos da mais doce valsa que alguém já dançou, rodopiando no ar.
O relógio soou. Ela estacou, aproximou-se dos meus lábios e soprou.
Frágil, minha alma amoleceu em seus braços.
Fui conduzida ao reino dos céus e nada mais me lembro.